Nova Lei de Licitações e a abolitio criminis.

Antonio Ap. Belarmino Junior

Em 01 de abril de 2021, foi promulgada a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos sob o nº 14.133, a nova legem em seu artigo 193, caput dispôs “Revogam-se”, etrouxe em seu inciso “I – os arts. 89 ao 108 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, na data de publicação desta Lei”.

A nova norma legislativa criou novos tipos de crimes para licitações e contratos administrativos, e consoante ao art. 194, a referida lei entrou em vigor na data de sua publicação.

Com a nova Lei, foram criados onze novos tipos penais, sendo o correspondente à contratação direta ilegal o Artigo 337-E do Código Penal, em substituição ao art. 89 da lei 8.666, porém o novo dispositivo reproduziu em parte o antigo dispositivo legal, caracterizando com isso o abolitio criminis da conduta de “deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade”.

A nova lei trouxe que:

Art. 337-E – Admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei: 

Já a vetusta norma legislativa dispunha que:

Art. 89.  Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:

Conforme se observa, as condutas descritas no art. 89 da lei 8.666/1993, nominadas de: “dispensar ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade”, não mais existem no novo tipo penal insculpido pelo art. 337-E, e a nova legem, ao deixar de fora uma das condutas criminalizadas pelo revogado art. 89, restou inexistente o delito através do instituto da abolitio, tornando-se hoje uma conduta totalmente descriminalizada.

Ao suprimir do texto legal os elementos “deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade” ocorreu a descriminalização da conduta, não sendo mais punível pela intervenção do direito penal. Na visão funcionalista de Miguel Polaino-Orts[i], uma norma em um aspecto material se faz de direitos convencionalmente associados a um rol, portanto cada pessoa possui um rol de responsabilidades, assim como cada norma possui um rol de responsabilidades limitados ao seu aspecto formal, sendo que a intervenção do estado só ocorre em caso de descumprimento deste rol e ainda a norma apresenta as perspectivas sociais e orienta as condutas dos cidadãos.

Inexistindo o regramento da conduta com a descriminalização, inexiste rol e inexiste punição estatal, existindo com isso a abolitio criminis, Cezar Roberto Bittencourt[ii] explana que “Toda lei nova que descriminalizar o fato praticado pelo agente extingue o próprio crime e, consequentemente, se iniciado o processo, este não prossegue; se condenado o réu, rescinde a sentença, não subsistindo nenhum efeito penal, nem mesmo a reincidência”, sendo esse o preceito insculpido na Constituição Federal no Art. 5º “XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.            

Na análise constitucional o insigne José Afonso da Silva[iii] leciona que “EXCEÇÃO DA LEI MAIS BENÉFICA. De fato, diz o inciso que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Tem-se, no caso, a exceção da lei mais benéfica – ou seja, entre a lei nova e a lei anterior verificar-se-á qual é a mais benéfica ao réu. Isso constatado, aplica-se a que o beneficia” sendo este omesmo entendimento de Muñoz Conde[iv] que conceitua “Por tanto, las normas penales que, por ejemplo, establezcan circunstancias eximentes, atenuantes o que disminuyan la gravedad de las penas y, obviamente, todas aquéllas que despenalicen conductas, pueden ser aplicadas retroactivamente a hechos acaecidos con anterioridad a su entrada en vigor”.

Se não bastasse à Convenção Americana sobre Direitos Humanos prevê a adoção da lei mais benéfica ao acusado e sua retroação para benefício, “Artigo 9. Princípio da legalidade e da retroatividade” – “Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinquente será por isso beneficiado”.

Portanto, tratando-se de lei mais benéfica operante com a revogação do delito, operar-se-á o instituo da abolitio criminis, retroagindo a Lei, estando hoje descriminalizada as condutas previstas no então delito previsto no Art. 89 da Lei nº 8.666.

ANTONIO APARECIDO BELARMINO JUNIOR

Advogado, pós-graduado em Ciências Criminais pela FDRP/USP, Mestre em Direito Penal e Ciências Criminais pela Universidad de Sevilla – Espanha, Presidente da ABRACRIM – SP (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas no Estado de São Paulo), professor convidado da Pós-Graduação em Performance Advocatícia da ESD e coordenador da Pós-Graduação em Direito Penal da Faculdade FGP.

Fonte: Jornal Sudoeste Paulista

Compartilhe: