Medidas cautelares: Direito ao contraditório

O primeiro aspecto para o deferimento do exercício do contraditório em medidas cautelares é a análise pelo juízo da contemporaneidade dos fatos, em não se tratando de fatos contemporâneos não, há que se falar em urgência.

Com as alterações da legislação penal através do Pacote Anticrime – lei 13.964/19, percebeu-se inúmeras mudanças na estrutura do processo penal, dentre elas o instituto das medidas cautelares diversas da prisão. Neste artigo iremos analisar especificamente o § 3º do artigo 282 da referida lei, que se faz presente o direito ao contraditório.

Art. 282.  As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:  

(…)

§ 3º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, para se manifestar no prazo de 5 (cinco) dias, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo, e os casos de urgência ou de perigo deverão ser justificados e fundamentados em decisão que contenha elementos do caso concreto que justifiquem essa medida excepcional.

O dispositivo processual prevê como ressalva para decretação de decisão cautelar, os casos de urgência ou perigo, sendo necessária uma decisão justificada e fundamentada por parte do magistrado (Art. 93, IX da CF), com elementos do caso concreto para decretação de medida, sem a faculdade do exercício do contraditório.

A recente obra Pacote AnticrimeI de Cláudio Prado do Amaral nos apresenta que: “A nova redação do referido § 3º do CPP, acrescentou que: a) deverá haver prévia a intimação da parte contrária para que se manifeste em cinco dias sobre pedido de aplicação de medida cautelar pessoal: b) que tal intimação esteja acompanhada de cópia do requerimento de decreto de medida cautelar e das peças necessárias ao exercício do contraditório e da ampla defesa; c) que o magistrado motive adequadamente os casos em que decidir ouvir previamente a parte contrária (urgência ou de perigo de ineficácia da medida). Vejamos com mais atenção esta última exigência. A questão respectiva à fundamentação da decisão que altera o contraditório prévio para o diferido é importante, pois cabe ao julgador desenvolver argumentação justificadora de que sua decisão é proferida em caráter de: 1) urgência, por exemplo, o acusado prepara-se para fugir do país, ou; 2) perigo de ineficácia da medida, como nas hipóteses em que o acusado o indiciado atua comprovadamente destruindo provas. Portanto, até aqui a lei nada traz de novo que a doutrina já não estivesse ensinando há muitas décadas. O § 3º também diz que isso tudo deverá ser extraído do caso concreto, isto é, que não sejam argumentos baseado na imaginação do julgador, por exemplo, construções prognósticas abstratas do tipo:” caso o indiciado não esteja preso e permaneça em liberdade encontrará estímulos próprios que o meio aberto proporciona para continuar praticando crimes…”

O contraditório encontra-se previsto na CF (Art. 5º, LV), e o dispositivo processual incluído pelo Pacote Anticrime dispõe que recebido o pedido intimará a parte contrária. Neste sentido, cabem os seguintes apontamentos: a expressão não é taxativa, e não determina, por exemplo, a intimação para exercício do contraditório de uma possível prisão. Embora seja diverso o instituto das cautelares, com o exercício do contraditório, além de preservar o princípio da presunção de inocência (Art. 5º, LVII, CF), podem-se evitar operações desproporcionais.

Ainda sobre a análise do contraditório nas cautelares, Thiago MinagéII leciona que: “Isso significa que o juiz, após o recebimento do pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, com o intuito de evitar tomadas de decisões precipitadas e desconformes com os ditames de alteração legislativa. Não há o devido processo legal sem se respeitar o princípio do contraditório”.

O primeiro aspecto para o deferimento do exercício do contraditório em medidas cautelares é a análise pelo juízo da contemporaneidade dos fatos, em não se tratando de fatos contemporâneos não, há que se falar em urgência.

Em recente decisão no AgRg no HABEAS CORPUS 617.036 – PB, julgado em 09 de fevereiro de 2021 o Superior Tribunal de JustiçaIII se manifestou a respeito da contemporaneidade das cautelares:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. CRIMES DE RESPONSABILIDADE. PREVENTIVA CONVERTIDA EM MEDIDAS CAUTELARES. TESE DE ILEGALIDADE DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA, COM VISTAS À SUSPENSÃO DAS MEDIDAS ALTERNATIVAS. CUSTÓDIA FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E NA PERICULOSIDADE DA RÉ, EVIDENCIADA À ÉPOCA DOS FATOS, PELO RISCO DE CONTINUIDADE DA PRÁTICA DELITIVA E PELA GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO (MODUS OPERANDI). FALTA DE CONTEMPORANEIDADE EVIDENCIADA. DECISÃO REFORMADA. AGRAVO PROVIDO.

  1. Ainda que inicialmente fundamentada a custódia cautelar, para garantia da ordem pública, diante do risco de continuidade da prática delitiva e da gravidade concreta do delito, ante o “modus operandi” empregado na prática delitiva, verifica-se ausência de contemporaneidade, uma vez que a recorrente não mais ocupa o cargo político, sendo que a denúncia narra ações criminosas ocorridas entre 2015 e 2016, as quais, embora não se refiram a tempo longínquo, não mais justificam a manutenção das medidas cautelares alternativas impostas, consubstanciadas no recolhimento domiciliar noturno e na proibição de se ausentar do Município.
  2. Agravo regimental provido para afastar as medidas cautelares alternativas impostas à recorrente.

Dessa forma, caso decretada uma medida cautelar, e constatado o seu descumprimento, deverá a parte ser intimada para exercer o contraditório, a fim de se evitar sua substituição ou a decretação da prisão preventiva, e o instituto do contraditório, deverá ser assegurado, sempre observando a contemporaneidade dos fatos, ausência de continuidade delitiva e reiteração, garantindo-se com isso a efetividade da lei 13.964/19 e o justo procedimento.

I Pacote Anticrime: Comentários à lei 13.964/2019/Alamiro Velludo Salvador Netto…[et al.] – 1ª ed. São Paulo, Almedina Brasil, 2020, pág. 107/108.

II Prisões e medidas cautelares à luz constituição: o contraditório como significante estruturante do processo penal/Thiago M. Minagé. – 5.ed. – Florianópolis: Tirante lo Blanch, 2019, pág. 293

III STJ – AgRg no Habeas Corpus Nº 617.036 – PB, D.J. 9/2/21

Fonte: Migalhas

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