Lavagem de dinheiro nas apostas online

Antonio Belarmino Junior e Dellano Sousa

O avanço tecnológico e a digitalização de serviços trouxeram inúmeras oportunidades de negócio, entre elas o vertiginoso crescimento das plataformas de apostas online, com a regularização das apostas de quota fixa no Brasil, consolidada pela lei 14.790/23, abriu-se um novo mercado. Este marco regulatório surge em um contexto em que o ordenamento jurídico brasileiro já tangenciava a questão dos jogos e apostas através do CC, que em seu art. 8141 estabelece a inexigibilidade de pagamento para dívidas de jogo, com exceções para aquelas legalmente permitidas, e da lei das contravenções penais (decreto-lei 3.688/1941), que ainda tipifica a exploração de jogos de azar não autorizados, como o “jogo do bicho” (Art. 582), contudo, a facilidade de movimentação de grandes volumes de recursos em ambiente digital também acendeu alertas para o risco de utilização dessas plataformas como instrumentos para lavagem de dinheiro e financiamento de atividades ilícitas.

EHistoricamente, o setor de jogos e apostas sempre foi apontado como vulnerável à prática de lavagem de dinheiro, em ambientes pouco regulados, valores de origem ilícita podem ser “limpos” mediante a simulação de ganhos lícitos em apostas, a fluidez, a facilidade de acesso e o volume financeiro característico desse setor o tornam particularmente sensível para a dissipação de recursos de origem criminosa, a própria natureza da aposta, que envolve a aleatoriedade do resultado de um evento, pode ser explorada para mascarar a origem dos fundos, o processo de lavagem de dinheiro conforme leciona Isidoro Blanco Cordero3, “O branqueamento de capitais é o processo pelo qual bens de origem criminosa são integrados no sistema económico legal sob a aparência de terem sido obtidos legalmente”4, e Pierpaolo Cruz Bottini e Gustavo Badaró5 definem como “(…) o ato ou a sequência de atos praticados para mascarar a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, valores e direitos de origem delitiva ou contravencional, com o escopo último de reinseri-los na economia formal com aparência de licitude”, portanto, esta é compreendida em três fases: a colocação, onde o dinheiro ilícito é introduzido no sistema (ex: depósitos fracionados em plataformas de apostas); a ocultação ou estratificação, que visa dificultar o rastreamento através de múltiplas transações (ex: diversas apostas, uso de múltiplas contas); e a Integração, onde os fundos “lavados” são reintroduzidos na economia formal com aparência de legalidade (ex: recebimento de prêmios usados para aquisição de bens), com a expansão do ambiente digital, a vulnerabilidade se intensificou, exigindo do legislador a criação de instrumentos específicos de controle e prevenção.

A lei 14.790/23, marco regulatório das apostas de quota fixa no Brasil, incorporou importantes obrigações de compliance e prevenção à lavagem de dinheiro (PLD/FTP), estas medidas visam alinhar o país com as melhores práticas internacionais e estão em consonância com a lei 9.613/1998 (lei de lavagem de dinheiro) e a lei 13.260/16 (lei antiterrorismo).

Dentre as figuras incluídas pela nova legislação, a figura do agente operador de apostas, João Paulo Martinelli6 traz que “Agente operador de apostas é toda pessoa jurídica que recebe autorização do Ministério da Fazenda para explorar apostas de quota fixa, em plataformas físicas ou digitais” e ainda “Os agentes devem operar de acordo com as regras estabelecidas pela Lei 14.790/2023 e demais regulamentos. Isso inclui assegurar que as apostas sejam realizadas de maneira ética, segura e com transparência para os apostadores”.

Ainda, destacam-se os principais mecanismos previstos:

Políticas internas obrigatórias: Cada agente operador deve adotar, documentar e implementar políticas de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo e à proliferação de ADM – armas de destruição em massa, conforme requisitos mínimos fixados em regulamentos da SPA – Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, essas políticas devem incluir uma criteriosa avaliação de riscos para identificar e mitigar vulnerabilidades específicas da operação. 
Identificação e cadastro dos apostadores: As casas de apostas só podem operar mediante a identificação dos clientes por documentos oficiais e processos de KYC – “Know Your Customer”, inclusive com reconhecimento facial, este processo deve ser rigoroso, com verificação da identidade e manutenção de cadastros atualizados, conforme também preconiza o art. 10 da lei 9.613/1998, para conhecer o perfil financeiro e comportamental do apostador e identificar desvios.


Comunicação obrigatória ao SISCOAF: Operações suspeitas de lavagem de dinheiro devem ser obrigatoriamente comunicadas, em conformidade com a lei 9.613/1998, esta comunicação ao COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras deve ser feita em até 24 horas da identificação da suspeita, via sistema eletrônico SISCOAF, e os operadores devem se abster de alertar os clientes envolvidos, conforme o art. 11 da referida lei. Normativos infralegais, como portarias ministeriais, podem detalhar essa obrigação.
Segurança da informação: Obrigação de certificação de sistemas (como a ISO 27001) e observação da LGPD para a proteção de dados dos apostadores, adicionalmente, os sistemas de apostas devem ser certificados por entidades reconhecidas pela SPA, conforme a portaria SPA/MF 300/24, para garantir a conformidade técnica e a integridade dos jogos, os sites dos operadores no Brasil devem utilizar o domínio “.bet.br”.
Segregação patrimonial: Recursos dos apostadores devem ser mantidos em patrimônio separado e não podem ser utilizados para outras finalidades, garantindo maior transparência e rastreabilidade.
Com as novas regras, os operadores de apostas online não são apenas empresas de entretenimento, mas também verdadeiros “gatekeepers” do sistema financeiro, sendo necessário que eles adotem medidas efetivas de compliance, monitoramento de transações, identificação de comportamentos suspeitos e comunicação tempestiva às autoridades, o descumprimento dessas obrigações pode gerar não apenas sanções administrativas severas, como multas e suspensão ou cassação da licença, mas também responsabilização civil e criminal dos operadores e seus administradores.

Embora o arcabouço jurídico seja robusto, a efetividade das medidas dependerá da capacidade de fiscalização da SPA, da cultura de compliance das empresas e do investimento em tecnologias de monitoramento e análise de risco.

A regulação das apostas online no Brasil é um avanço importante tanto para a segurança jurídica quanto para a prevenção de ilícitos financeiros, a lei 14.790/23 estabeleceu bases sólidas para combater a lavagem de dinheiro nesse setor, alinhando o país às práticas internacionais, contudo, o sucesso dessa empreitada dependerá da fiscalização efetiva, do comprometimento dos operadores com as boas práticas de compliance e da conscientização sobre a importância da integridade no mercado de apostas, João Paulo Martinelli7 traz “A adoção de políticas para prevenir a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo é uma exigência que reforça a integridade do setor. A regulamentação aponta para o cumprimento das obrigações dispostas nos arts. 10 e 1 da Lei n. 9.613/1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro) e na Lei n. 13.260/2016 (Lei Antiterrorismo).”

É crucial também que haja uma adaptação regulatória ágil frente aos novos desafios, como os apresentados por influenciadores e meios de pagamento emergentes, e o fortalecimento da cooperação interinstitucional e internacional, a consolidação desse novo setor passa, inevitavelmente, pelo enfrentamento da lavagem de dinheiro e na proteção da integridade do esporte.

Artigo publicado: Migalhas

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